Entrevista: a comunicação pública da ciência no México

O presidente da Sociedade Mexicana para a Divulgação da Ciência e Tecnologia (Somedicyt), Jorge Padilla, concedeu entrevista ao blog Dissertação Sobre Divulgação Científica na qual aborda aspectos variados e em discussão sobre a comunicação pública da ciência (CPC). Entre outros assuntos, o engenheiro químico fala sobre os problemas, estratégias e desafios do campo no México e na América Latina, incluindo o jornalismo científico, apresenta contornos do desenvolvimento histórico e institucional da CPC mexicana e relata parcerias da Somedicyt com instituições brasileiras.


Confira a entrevista:



O que a Somedicyt representa para a Comunicação Pública da Ciência (CPC) no México?
Padilla: Atualmente, com mais de 210 sócios agrupados em 10 divisões profissionais, a Somedicyt é a maior e mais importante agremiação formal de divulgadores da ciência e tecnologia no México. Estamos presentes em 17 das 32 entidades federativas da República Mexicana. 

Trata-se de uma instituição de significativa importância e influência para a referida área no país. Sua criação significou o início de uma divulgação científica organizada no México e a profissionalização dos que a ela se dedicam. A Somedicyt tem papel decisivo na formação de novos divulgadores e na capacitação dos que já exercem trabalho neste campo. 

Além disso, a Sociedade influencia e apoia a criação e o fortalecimento de outros grupos e redes nas diversas regiões da República, sendo, inclusive, um aliado importante do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (Conacyt - sigla em espanhol), bem como de vários conselhos estatais de ciência e tecnologia. Atendendo a políticas do Conselho, a Somedicyt tem conduzido projetos de análises da situação da divulgação científica no México, assim como da evolução de programas e projetos sobre o tema.

Quais são as principais iniciativas de Comunicação Pública da Ciência realizadas pela Somedicyt?
Padilla: Bem, podemos resumir em: congressos, simpósios e encontros de divulgadores; cursos e conferências sobre divulgação e jornalismo científicos; eventos em geral de capacitação e formação de profissionais; prêmios e outras formas de reconhecimento para os divulgadores que se destaquem; organização de feiras de ciências e demais eventos de divulgação e educação não formal, incluindo, com o apoio do Conacyt, a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia; ações para museus interativos e exposições; publicação de livros sobre o tema; ações visando o público da Internet; pesquisas científicas; e projetos de consultoria para o Conacyt.

O que motivou a criação e o que mantém o vigor das atividades da Somedicyt? 
Padilla: A Sociedade foi fundada em 1986 por um destacado grupo de comunicadores e de cientistas, tendo a finalidade de tornar a ciência um elemento central na cultura geral dos mexicanos.

Em seus propósitos de fundação, estão os seguintes objetivos: tornar o conhecimento científico acessível a toda a população; divulgar a ciência da forma mais amena, palatável possível; ampliar os canais de divulgação científica e tecnológica, adotando variados meios e estratégias, inclusive, claro, os veículos de massa; fazer com que o conhecimento técnico e científico seja altamente reconhecido em todo o país como trabalho fundamental, seja o aspecto da pesquisa em si, seja o ensino; ampliar e intensificar a participação de cientistas e técnicos nas tarefas de divulgação; realizar pesquisas científicas, técnicas, sociais e educativas envolvendo o campo da divulgação e temas correlatos; propiciar a avaliação das atividades de divulgação científica; contribuir para a formação de divulgadores profissionais; impulsionar e fortalecer a coordenação e a organização da divulgação científica no país, fomentando o interesse e o apoio de indivíduos e instituições; colaborar com universidades e outras instituições na organização de projetos e na concretização destes.

A Somedicyt mantém algum envolvido com instituição brasileira?
Padilla: Em geral, as nossas relações com instituições brasileiras ocorrem por meio da Rede Para a Popularização da Ciência e Tecnologia na América e Caribe (Red POP). Especificamente, tem havido colaborações mais próximas com o Museu da Vida/Fiocruz, com a Universidade de Campinas (Unicamp) e com o museu Estação Ciência, da Universidade de São Paulo (USP).

Qual é o espaço da comunicação pública da ciência nas políticas científicas do México?
Padilla: Tradicionalmente, a presença da CPC nessas políticas tem sido marginal. Já nos últimos anos, setores oficiais da C&T – como o Conacyt e os conselhos estaduais – têm dado importância significativa para a CPC. Há, por exemplo, em leis sobre C&T de vários estados a menção explícita a esse compromisso.

Recentemente, na Lei Orgânica do Conacyt foi incluído um artigo que explicita a preocupação deste órgão em solidificar a cultura científica no cotidiano do cidadão mexicano. A estratégica 5.2 do Programa Especial de Ciência, Tecnologia e Inovação 2014-2018 trata do assunto, com base em três linhas de ação:

a) a criação de programas e espaços públicos virtuais para a apropriação social do conhecimento da ciência, tecnologia e inovação; b) o estabelecimento de mecanismos para que a sociedade tenha acesso livre ao conhecimento gerado por financiamento público; c) o incentivo a programas massivos de acesso público para fomentar a cultura científica e tecnológica.

Como tem sido a institucionalização da CPC no México, incluindo aspectos históricos?
Padilla: Nas palavras de Elaine Haynes, ex-presidente da Somedicyt, a era moderna da divulgação científica no México começou no fim dos anos 1960, bem centrada na capital do país. Inicialmente, eram muito poucos aqueles dedicados a esta tarefa, exercida voluntariamente, com poucos recursos e praticamente sem reconhecimento institucional. Por um lado, estava um grupo liderado por Luis Estrada, que trabalhava na Universidade Nacional Autônoma do México, enquanto que, por outro lado, agia um grupo ligado ao Conacyt.

Haynes diz que podemos falar de três gerações de divulgadores: os que começaram “quebrando pedras”, treinando e errando bastante para conseguir avançar; os que buscaram formação de pós-graduação em cursos complementares; e os que têm realizado cursos e obtido diplomas e títulos específicos, inclusive de mestrado e doutorado, em programas de ensino promovidos para profissionais da CPC.

Hoje em dia, em todos os estados da República há trabalhos implementados em variados veículos de comunicação, de forma a alcançar distintos públicos e setores da sociedade. Identificamos, portanto, sólido desenvolvimento, partindo de um voluntarismo para atividades sistemáticas e planejadas, com profissionais com dedicação e tempo exclusivos. Este campo conseguiu atingir certo grau de reconhecimento no país. Muitas universidades desenvolvem projetos e contratam funcionários com este perfil. Há departamentos cuja finalidade é estudar e praticar a divulgação científica. 

Além da Somedicyt, tem surgido grupos independentes e redes estatais de divulgação. O próprio Conacyt conta com uma área exclusiva voltada para programas e ações focadas em setores com esta característica. Todos os anos, tal Conselho apoia financeiramente conselhos estatais e associações diversas, possuindo fundo e realizando editais para investir em projetos submetidos e adequados à chamada. 

Qual é a importância de Luis Estrada para a CPC no México? 
Padilla: Ele é um dos pioneiros da área no país, sendo decisivo para a sistematização e institucionalização da CPC. É responsável pela formação dos primeiros grupos de divulgadores no México, com enfoque em uma futura profissionalização. 



Quais são as virtudes, defeitos e desafios da CPC no México?
Padilla: De acordo com os resultados de um projeto de análise sobre divulgação no país, realizado recentemente pela Somedicyt, as principais forças da CPC no México são: 

A) As organizações e suas redes nacionais e estaduais, que são base para propostas de ampliação deste cenário; as unidades e programas específicos de divulgação mantidos por instituições do ensino superior e centros de pesquisa; iniciativas como a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia; o entendimento dos próprios conselhos estatais sobre a CPC como fator-chave para o desenvolvimento regional; os trabalhos de segmentar a divulgação e elaborar produtos e serviços segundo a especificidade do público-alvo, incluindo, por exemplo, etnias indígenas; os espaços bem variados de divulgação distribuídos pelo país, como museus, centros interativos de ciências, planetários, zoológicos, jardins botânicos, assim como projetos itinerantes. 

B)  Já os principais problemas são os seguintes: inexistência de um marco conceitual compartilhado sobre a natureza do analfabetismo científico, da cultura científica e da apropriação social da ciência e tecnologia, bem como as finalidades e modalidades da CPC; ainda precisamos aumentar muito a quantidade de grupos organizados e respectivas redes; a maioria dos estados carecem de um plano estratégico e de um programa de projetos a serem realizados a médio prazo; a intensidade das estratégias de divulgação realizada por conselhos estatais e as instituições de ensino superior ainda é baixa, comumente ocorridas esporadicamente; necessidade de mais reconhecimento e incentivo ao profissional da área; poucos profissionais realizam as suas funções com base em análises e estudos prévios; inexistência de uma espécie de inventário nacional de atividades que nos permita dimensionar os alcances das medidas, de forma a monitorarmos os seus desenvolvimentos ao longo do tempo, aperfeiçoando-as; é comum os recursos das instituições dedicadas à divulgação serem limitados ou mesmo insuficientes para realizar as ações propostas; os trabalhos dos museus e centros de ciências ainda são relativamente reduzidos, com baixa expressão; o próprio jornalismo científico é incipiente em muitas regiões do México, às vezes até ausente; muitos dos que atuam neste campo carecem de adequada formação profissional e específica; a grande parte dos que praticam tal atividade o fazem em tempo parcial; ainda precisamos solidificar uma cultura na comunidade de divulgadores para que os trabalhos sejam orientados e sigam um planejamento, avaliação e gestão que respeitem as suas finalidades; podemos considerar deficiente a avaliação de ações de divulgação, tendo poucos registros, pouca difusão de metodologias e técnicas; não existe um sistema comum de indicadores e índices a respeito, que considere enfoques de eficiência, eficácia e efetividade.

Por sua vez, podemos apontar os seguintes desafios ou oportunidades da CPC no país: fornecer à população informação de qualidade sobre temas variados, como na área da saúde, meio ambiente, tecnologia etc.; reforçar constantemente o fator cultura científica, seja na sociedade, seja no governo; o papel central do governo nesse processo de fomento;  é importante a divulgação atentar para as deficiências da educação básica e intermediária, bem como para o aprendizado das matemáticas, das ciências naturais e pensamentos críticos; o envolvimento e a articulação dos atores nas redes da CPC; o aproveitamento de sistemas e programas, como o Sistema Nacional de Pesquisadores e os Fundos Mistos, entre outros, para incrementar componentes da divulgação; ter ciência dos novos recursos digitais e habilidade para deles tirar proveito, sem desconsiderar, claro, os influentes e impactantes meios massivos. 

Podemos confiar nas informações do jornalismo científico?
Padilla: Penso que não. Apesar do crescimento do número de profissionais, de seus aperfeiçoamentos e da melhora no volume de recursos para a CPC, os jornalistas científicos, em sua maioria, carecem de adequada e sólida formação. Há, inclusive, pouco espaço para eles atuarem e promoverem notícias deste segmento. 

Assim, as informações nem sempre são confiáveis. É muito importante identificar a proveniência do que lemos, assistimos e ouvimos, quem trata e lida com as informações. As poucas informações disponibilizadas pelo jornalismo científico são focadas em temas da saúde e qualidade sanitária da população, além de notícias sensacionalistas envolvendo a C&T.

Quais são, atualmente, os temas mais efervescentes sobre a CPC do ponto de vista da pesquisa acadêmica?
Padilla: São diversos, como a imunoterapia para o câncer (que ainda não atinge os hospitais), a engenharia genética (alimentos transgênicos, células tronco, genoma humano), alimentos e saúde, matéria escura e os processos potencialmente contaminantes para extrair petróleo perfurando rochas.

Qual é a realidade do campo profissional da CPC hoje no México e na América Latina?
Padilla: Diante das deficiências dos sistemas educativos do México e de vários países da região, há esforços pela CPC em muitos lugares com o objetivo de reforçar os conhecimentos de crianças e adolescentes nas escolas. Os conteúdos têm sido orientados para promover o aprendizado, inclusive de conceitos científicos básicos, pois precisamos reduzir ao máximo o alfabetismo científico das populações, o que não significa, necessariamente, uma sólida apropriação social da C&T.

Acho que há a necessidade de mais entendimento por parte dos comunicadores da ciência sobre os fatores que propiciam a real apropriação da C&T com efeitos práticos na vida, assim como sobre as estratégias de CPC que seriam mais apropriadas, socialmente mais pertinentes e mais efetivas.


Entendo que neste cenário podemos distinguir, de um lado, os comunicadores públicos da ciência que trabalham em instituições acadêmicas, do Estado e de educação formal; de outro, os divulgadores independentes. No primeiro caso, o respaldo institucional dos profissionais que trabalham em universidades, órgãos e entidades em geral dos governos, museus ou nos meios de comunicação de massa tem sido cada vez maior nos últimos anos. E é evidente a estabilidade de atividades nestes tipos de instituições, mesmo quando não há o adequado reconhecimento aos personagens que desenvolvem os trabalhos.

Aos que realizam as tarefas como freelacer em organizações do setor privado, as condições são mais desfavoráveis, pois dependem muito da obtenção de recursos através de fundos públicos abertos ou de projetos privados. E em período de baixo aquecimento econômico, tais fontes são restritas e de acesso mais difícil.

No México, tem crescido a quantidade de divulgadores que não são pesquisadores, como, por exemplo, professores e educadores, tecnólogos, jornalistas, entre outros. Passa a ser mais comum, então, uma divulgação, digamos, “menos acadêmica”, valorizando abordagens e situações da vida diária, de interesses mais amplos. 

A divulgação científica é um trabalho de reduzido reconhecimento no México, mas vemos que o grau de prestígio varia entre grupos. Institucionalmente, há mais valor aos profissionais com a titulação de doutorado, do que aos mestres ou aos que dispõem de diploma de licenciatura, mesmo que o fato de ser doutor não signifique necessariamente habilidade para a prática da comunicação pública da ciência. Outra percepção é a de que há maior prestígio à divulgação e aos divulgadores das chamadas ciências duras, do que em relação aos das ciências sociais, por exemplo.

Quais são as principais razões pelas quais os discursos políticos e acadêmicos buscam legitimar e justificar a prática da CPC?
Padilla: Academicamente falando, podemos citar quatro razões: fortalecer a cultura científica na população; fomentar os interesses e as vocações da juventude para as áreas científicas e tecnológicas; estimular a compreensão do fazer científico pela sociedade; desenvolver correntes de apoio público capazes de facilitar a obtenção de recursos em prol da pesquisa científica. 

Do ponto de vista político, a razão predominante é solidificar a cultura científica dos cidadãos para que estes adquirem capital humano suficiente na construção e no reforço de suas competências, respaldando uma economia mexicana baseada no conhecimento. 

Existe algum modelo de CPC a ser seguido, tendo algum país ou instituição como referência? 
Padilla: Podemos segmentar esta questão em dois níveis: o do micro, da ação individual de comunicadores da ciência; e o do macro, das ações institucionais e governamentais. 

No primeiro deles, no México, os divulgadores aplicam modelos diversos, se tomarmos os pressupostos de Bruce Lewenstein. Aliás, muitos deles sequer têm consciência do modelo em que se inscrevem as suas ações. Geralmente, os divulgadores no México adéquam suas práticas de acordo com os veículos e com os públicos-alvo. Afinal, a CPC voltada para um jovem de cultura urbana é diferente em relação a um adulto, por exemplo, com hábitos da pequena cidade rural, ou a um índio de um estado com médio nível escolar.

Além disso, não temos ainda no México o desenvolvimento de um marco teórico ou conceitual sobre a relação entre ciência e sociedade e sobre a CPC. Em vários ambientes institucionais ainda há confusão conceitual, como analfabetismo científico, cultura científica, apropriação social da ciência, divulgação, difusão etc. Portanto, não há no país um modelo que sirva como referência.

Já no âmbito macro, o México tem implantado em alguns estados uma estratégia que pode funcionar como importante modelo de CPC, através de dois componentes: 1) a formulação de programas estatais de CPC integrados a uma pesquisa sobre a cultura científica local, um diagnóstico da CPC em realização no estado e um planejamento estratégico da CPC formulada de forma participativa por diversos atores nela envolvidos; 2) a formação e formalização de redes estatais de comunicadores de ciência, provenientes de instituições diversas que realizam ações de divulgação.


Sites que publicaram a entrevista:

ICICT/Fiocruz - 12 de maio de 2015
Comunicação pública da ciência é tema de entrevista com Jorge Padilla

Jornal da Ciência - 13 de maio de 2015
A comunicação pública da ciência no México

Dicyt - 26 de maio de 2015
Jorge Padilla fala sobre a comunicação pública da ciência no México

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