"A divulgação científica deve ser feita de forma integrada", declara físico


"Se realizada se forma planejada e coordenada, integrando ações, a divulgação da ciência e tecnologia (DCT) pode ser bem mais eficiente". Esse é o pensamento do físico Francisco Caruso Neto, que apesar de lidar com conhecimentos bem abstratos e pouco difundidos na sociedade, como a Fenomenologia Hadrônica (!!), é responsável por uma vasta (e integrada) produção em DCT.

Sempre procurando associar ciência e educação, ele é autor de artigos, costuma proferir palestras, produzir vídeos, realizar eventos, já publicou tirinhas em quadrinhos e é autor de livros, incluindo o “Física Moderna- Origens Clássicas e Fundamentos Quânticos”, obra escrita em parceria com Vitor Oguri, vendedora do prêmio Jabuti em 2007.

Caruso é professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), pela qual graduou-se em 1980, e pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), pelo qual cursou o mestrado em 1983. O doutorado foi obtido na Università degli Studi di Torino, Itália, em 1989. A biografia dele inclui, também, o prêmio Jovem Cientista (CNPq), de 1996, e a superintendência de Difusão Científica da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação do Rio de Janeiro, cargo ocupado entre 2004 e 2006.

O carioca de 53 anos é filho de médico e professora, torce para o Fluminense e é pai de uma filha. Ele diz ter optado por esse campo de estudos devido a um professor de química do ensino médio, "que nos ensinava a evolução dos modelos atômicos de modo muito atraente", diz ele.

Em que momento da sua carreira a divulgação científica passou a lhe interessar?
Caruso: Essa vontade de transmitir o conhecimento está em mim desde jovem. Veio com o prazer de dar aula, ao ser convidado para ser professor da UERJ, quando eu tinha 21 anos. A partir de então, procurei intensificar o contato com pessoas sem a proximidade com o meio acadêmico ou com pouca familiaridade com o sistema.

Após o meu doutorado, retornei ao Brasil e eu implantei no CBPF, em parceria com a Fiocruz, um programa de iniciação científica para o ensino médio, através do qual já trabalhei com mais de 30 estudantes. Foi um desafio, porque orientar um aluno tão jovem e em processo de formação é mais complicado do que orientar um doutorando, que já tem autonomia e está interado dos conceitos e assuntos. O adolescente precisa mais da nossa participação e a todo o momento nos procura para tirar dúvidas.

Acho que a divulgação científica deve ser promovida de forma integrada, ou seja, ações diversas para atingir os diferentes públicos. A ideia é que um jovem interessado em uma palestra de física e opte por explorar a disciplina e até queira ser físico, possa desfrutar de bons materiais, como livros, revistas e documentários. Essa diversificação é importante e deve ser acoplada ao ensino de ciências.

Como você observa o contato entre divulgadores e cientistas?
Caruso: Essa é uma relação complicada. Percebo que na grande maioria das vezes, o profissional da imprensa trabalha sob a pressão do tempo dentro de um campo desconhecido. A pressa inibe a interação mais duradoura e afasta o jornalista e a  cultura científica. A probabilidade de o resultado ser insatisfatório é bem grande.

A rotina acelerada também dificulta a organização do tempo para o jornalista incrementar a própria formação. As empresas poderiam investir naquele profissional disposto a conhecer melhor o mundo da C&T, propenso a comprar livros e ir a eventos. Nada substitui o esforço da cultura individual, que dá uma solidez importante ao profissional.

Quais procedimentos seriam viáveis para o estabelecimento desta relação mais sólida?
Caruso: Todas as medidas de aproximação, como palestras científicas em universidades, são válidas. Particularmente, eu realizo desde 1993 com o físico Alberto Santoro a escola International School on High Energy Physics (Lishep), uma iniciativa voltada a licenciandos, professores do ensino médio e também aos jornalistas, que só compareceram na primeira das quatro edições (1993, 1995, 2004 e 2009). É uma pena, porque além do conteúdo de física, promovemos uma mesa-redonda exatamente sobre a relação mídia-ciência. Em 2013, haverá uma nova edição da Lishep, com a parte internacional ocorrendo agora em março e as sessões em prol da divulgação no meio do ano, provavelmente.


É fundamental que o divulgador tenha esse conhecimento do ambiente acadêmico, pois o preparo dele permite uma melhor compreensão do assunto, que será explorado adequadamente através de perguntas-chave. Quanto mais culto o interlocutor, mais qualidade terá o diálogo e mais chances ele terá de obter as informações necessárias. O aumento de disciplinas sobre divulgação científica nas graduações de jornalismo ajudaria bastante este processo.

A matéria só será bem apresentada e explicada ao público do veículo se o produtor daquele conteúdo se aprofundar no assunto. Isso exige esforço, porque a ciência tende cada vez mais a se afastar do que é intuitivo, do que é capaz de perceber o cidadão comum.

Do lado do pesquisador, é importante que ele esteja disponível, tenha paciência e compreenda o trabalho do jornalista, buscando ser bem didático. Uma forma eficaz é através de metáforas e comparações. Num impacto gerado a partir de um chute numa bola de futebol, por exemplo, as pessoas desconhecem a força medida em newtons, mas a comparação com o tombo que alguém leva de um determinado andar de um edifício facilita o entendimento.

A falta de preparo do divulgador é o principal problema de interação entre ambos?
Caruso: Acho que sim. A falta de entendimento conceitual atrapalha o desenvolvimento da relação, pois a todo o momento o jornalista questiona sobre o significado de algum termo, como quarks, glúons, higgs e buracos negros, por exemplo. Por isso, eu até prefiro elaborar o conteúdo por escrito e enviar por e-mail, para evitar distorções.

Dificilmente o jornalista de economia cobre a editoria sem conhecer o tema, assim como o de esportes e o de política. Mas, há muitos jornalistas de ciências, cujo espaço nos veículos é reduzido em comparação com as seções anteriores, sem saber termos básicos do campo.

Você se sente incomodado quando um profissional com menos preparo, ou mesmo ainda em formação, o aborda para a elaboração de uma matéria?
Caruso: De certa forma sim, porque já percebo de imediato que o assunto será pouco valorizado, o tratamento será menos cuidadoso. Geralmente, solicito a leitura do material antes da divulgação, para eventualmente fazer alguma correção ou incremento, mas raramente os divulgadores dão esse retorno. Quando estão mais inseguros, aí sim eles atendem ao pedido. Hoje em dia, com a internet, a retificação é mais fácil, mas quando o veículo é impresso, o cuidado precisa ser ainda maior.

Qual o seu procedimento quando pretende realizar alguma divulgação? Você procura a instituição?
Caruso: Aqui na UERJ, o ato de divulgação é mais comum quando algum veículo procura a universidade, que então aciona o pesquisador. É constante as solicitações terem o propósito de dar uma roupagem científica a assuntos não acadêmicos, o que em geral prefiro evitar.

Vejo que os setores de divulgação universitários atuam mais como promotores das vozes oficiais, propaganda, do que como divulgadores mesmos das atividades de pesquisa. Talvez esse seja um dos motivos pelos quais a mídia publica muito menos sobre ciência do que a própria demanda dos centros de pesquisa.

Como eu não tenho um jornalista mais próximo, quando pretendo divulgar o lançamento de um livro ou a realização de um evento, por exemplo, publico no site oficial e informo ao Jornal da Ciência, cujo boletim via e-mail vai para dezenas de milhares de pessoas. Também utilizamos os canais da Sociedade Brasileira de Física (SBF), principalmente para anunciar concursos públicos.

A universidade sente, então, falta da atuação mais eficaz e constante da grande mídia dentro da universidade...
Caruso: Sente sim. Particularmente, como já apresentado, os meios de divulgação dos quais desfruto são mais para quem já está familiarizado com o sistema de C&T, não para a grande massa que pouco conhecimento possui do campo.

A presença da C&T na imprensa é fundamental para que a importância deste conhecimento penetre cada vez mais na sociedade e seja transmitido para as gerações futuras. Nos Estados Unidos, por exemplo, há uma redução do número de pessoas interessadas em seguir a carreira acadêmica e, por isso, o governo busca pesquisadores de fora, principalmente chineses e indianos. Há escolas no Brasil onde são oferecidas apenas duas horas de física por semana. Na Inglaterra, a quantidade de horas de disciplinas científicas é menor do que há alguns anos. 


O cientista ainda é resistente à DCT?
Caruso: Em parte, é sim. Conheço vários colegas que são totalmente descrentes com a divulgação e outros que até acreditam no trabalho, mas pouco tomam iniciativas e não o valorizam quando têm a oportunidade. Muitos consideram um campo de menor importância.

A criação pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) de uma aba no currículo Lattes específica para o preenchimento de atividades de DCT é um avanço, mas há uma série de fatores que impedem o desenvolvimento do meio. Além de se dedicar com afinco à pesquisa, os cientistas também são professores e realizam outras tarefas que reduzem o tempo para projetos paralelos. Divulgar também significa abrir mão de mais artigos e publicações e essa pressão é sentida desde jovem. Um doutorando pouco ou nada se anima em proferir uma palestra em escola, por exemplo.

Apesar de tudo, vale a pena esse contato com o mundo extra-acadêmico, pois adquirimos uma visão mais global e social da ciência. Diante da realidade brasileira, a divulgação é determinante para a superação de desafios históricos relacionados com a cultura e a educação.

Essa abertura pode contribuir bastante para o pesquisador, na medida em que o objeto de estudo dele pode ser observado por perspectivas originais do público sobre assuntos há anos analisados pela comunidade acadêmica. Certa vez, participei de uma mesa-redonda promovida pela Editora Contraponto, no Leblon (bairro da zona sul do Rio de Janeiro), para o lançamento do livro Sobre as Leis Físicas, de Richard Feynman. O evento começou às 19h30 e quase quatro horas depois o público ainda interagia e fazia perguntas muito diferentes do que eu já ouvi. Esse estímulo externo também leva a reflexões criativas.

Isso mostra que o jornalista preparado pode sair daquelas perguntas comuns e explorar lados mais interessantes e motivantes.

A sua motivação pela DCT é social?
Caruso: A responsabilidade social é inerente ao cientista, ou pelo menos deveria ser, mas também há o prazer de incentivar o esforço intelectual e conquistar novos talentos para a carreira, pois muitos jovens se interessam pelo meio após ler um livro, participar de uma palestra ou, principalmente, assistir a um documentário, porque o vídeo é mais atrativo do que o texto.

Quais habilidades o cientista interessado em divulgar precisa adquirir?
Caruso: Se o pesquisador está convencido de que a DCT é importante, ele precisa ter a consciência que expressar cientificamente é muito diferente de expressar socialmente. Por isso, o cuidado com a linguagem, seja escrita ou falada, deve ser primordial. Até dentro da própria ciência as linguagens variam de acordo com a área. Um artigo de filosofia, por exemplo, é mais extenso do que um de física.

Atualmente, eu tenho uma coluna no site Eco Reserva, de Campinas-SP, onde tenho a oportunidade de exercitar mais essa habilidade. O retorno dos leitores tem sido bem satisfatório, o que é de certa forma surpresa, pois a princípio eu havia resistido à proposta. Isso representa a visão de público do jornalista, mais acurada do que a do pesquisador, que em geral vive fechado no escritório.

O que a DCT precisa apresentar atualmente à sociedade?
Caruso: Sempre há muitas coisas... a evolução da genética, a biossegurança, a nanoscopia, a física de altas energias, a astronomia e a cosmologia, a ótica quântica, entre vários outros assuntos.

A questão tecnológica é determinante hoje em dia. A indústria automobilística, por exemplo, utiliza materiais de carbono mais resistentes do que o aço. O monitoramento da previsão do tempo é muito mais preciso atualmente porque os computadores são bem desenvolvidos. Temos, também, no Brasil, entre inúmeras excelentes pesquisas, as desenvolvidas pela Embrapa, cujas atividades refletem diretamente na qualidade e abundância da alimentação da sociedade. É um rico trabalho que deveria ser ainda mais divulgado.

Quais produtos de DCT você costuma consumir?
Caruso: Eu gosto de livros em geral, incluindo, claro, os de divulgação científica.  Alguns títulos são: História do Conceito de Espaço na Física, de Max Jammer, Como Vejo o Mundo, de Albert Einstein, As Leis da Física, de Richard Feynman, e A Corrosão do Caráter, de Richard Sennett. Também gosto de assistir a documentários da BBC, Discovery Channel e History Channel.

Quando você começou, ainda não havia as tecnologias da informação e comunicação. Qual a sua avaliação sobre o impacto desses recursos na DCT?
Caruso: Abriu muitas portas, possibilitando a divulgação e o contato mais rápido a um custo baixo. A média de aderência a minha página é de cem internautas novos por mês.

Porém, o problema da internet é a superficialidade. Por isso, essas mídias devem ser usadas sim, mas de forma complementar e, como disse, integrada com outros recursos.

Há que se considerar, também, a confiabilidade das informações. Sites elaborados por universidades conhecidas nos dão tranquilidade para navegar, ler e estudar. Mas, quando a iniciativa é individual, devemos suspeitar da origem. A credibilidade neste meio é essencial!




Comentários

  1. A entrevista com o professor Caruso revela vários elos fracos do processo de divulgação pública da ciência que precisam ser superados. Agrego aos já citados a ausência de serviços especializados de divulgação de notícias de C&T produzidas em nossos centros de pesquisa, a exemplo de sites como EurekAlert(EUA)ou Alpha-Galileu (Europa). Parabéns pela entrevista, tema sempre oportuno.
    Fernando Pedro (jornalista da Casa da Ciência da UFRJ)

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  2. Obrigado, Fernando!

    De fato, a divulgação precisa ser tratada de forma mais sistemática, coordenada e agregada ao sistema de C&T.

    Abraços!

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  3. Muito boa entrevista... fui aluno do professor Caruso no curso de Física e o admiro muito, tem meu respeito.
    Abraços
    Leandro Luiz

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