Entrevista: físico demonstra ser possível aliar o sucesso acadêmico à divulgação científica
Parte da literatura da divulgação científica e tecnológica (DCT) aponta o
estereótipo do cientista como aquele ser fechado, antissocial, despreocupado
com a imagem, ranzinza, excêntrico etc. etc. etc. A física, por lidar com um
grau elevado de abstrações, seria um campo da ciência que representaria bem
esse perfil.
Representaria, pois a mais recente entrevista do blog
Dissertação Sobre Divulgação Científica contraria essa visão, ao apresentar um
físico, ou melhor, um físico-comunicador, um profissional articulado, receptivo aos divulgadores e proativo
na divulgação científica. Astrônomo do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas
(CBPF), Martin Makler, 38 anos, cresceu apaixonado pela ciência e aprendeu
desde menino a exteriorizar o que aprendia, habilidade que até hoje está
presente em sua carreira.
Filho de pai físico e mãe matemática, Martin é natural de Buenos
Aires, Argentina, cresceu em Niterói-RJ e também morou um tempo na Bélgica,
onde aprendeu a “brincar” com a astronomia. O retorno ao Brasil veio
acompanhado de uma vontade de divulgar aquele prazer, que quase foi
comprometido pela má qualidade de um professor durante o ensino médio (aí está
um exemplo da prioridade de mais do que valorizar e educação, inclusive os
professores).
Ele graduou-se na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em
1996, e concluiu o doutorado cinco anos depois no CBPF, cuja tese lhe rendeu
uma menção honrosa pela Sociedade Brasileira de Física (SBF). O pós-doutorado, também
pela UFRJ, foi obtido em 2003.
Uma das principais atividades de pesquisa dele é o projeto o
Dark Energy Survey, consórcio internacional que visa estudar e compreender
algumas das principais questões históricas da humanidade em relação ao Universo,
tais como: de onde viemos? Onde estamos? Para onde vamos? E (principalmente) do
que é composto o Universo?
Confira a entrevista:
Como surgiu o seu interesse pela ciência e pela divulgação
científica?
Martin: O que me despertou foi a série de televisão Cosmos, do astrônomo
e divulgador Carl Sagan, durante a minha infância. Eu gostava de ciências em
geral, mas principalmente de astronomia, mesmo sem saber que o campo tinha esse
nome e era tão bem organizado, definido. Essa afinidade cresceu após eu passar
algum tempo em Liège, na Bélgica, onde os meus pais foram fazer pós-doutorado.
Lá, com cerca de 13 anos, tive a oportunidade de participar de palestras,
acampamentos, comprar um telescópio, tirar fotos de astros e ingressar em um
clube da área.
Quando eu voltei ao Brasil, tinha a ideia de criar um clube
de astronomia em Niterói, mas a minha visão era a de uma associação mais
restrita. Marcelo Souza, então professor do ensino médio e aluno da
Universidade Federal Fluminense (UFF), ficou sabendo da proposta e me procurou,
só que com a intenção de atingir uma audiência mais ampla.
Tudo isso foi determinante para amadurecer os meus gostos e
objetivos de vida e carreira, apesar de no ensino médio eu ter sido aluno de um
professor de física muito ruim, que chegou a tirar a minha motivação pelo
campo. Lembro que na época do vestibular, fiz testes vocacionais que me apontaram
para todos os lados: medicina, direito, engenharia, química... mas acabei
optando por física, exatamente pela possibilidade de ser astrônomo. Mesmo
durante a graduação busquei ser ativo nas atividades de divulgação.
Você já comentou que realiza muito menos divulgação
científica do que gostaria. O que o inibe?
Martin: A grande questão é que há uma certa competição entre as
atividades de pesquisa e da divulgação. Neste momento da carreira, o meu tempo
está bastante cosumido pelos projetos científicos e atenção aos meus orientandos.
O nascimento do meu filho também fez com que eu reduzisse o tempo destinado à
DCT.
Qual é a sua motivação pela DCT?
Martin: Há o prazer pessoal de estimular o gosto pelo conhecimento e
comunicar o que eu faço, de incentivar outras pessoas, assim como eu fui pela
série Cosmos. Porém, o interesse maior é o social, que herdei daquele professor
com quem eu promovia o clube de astronomia em Niterói. Eu gosto muito de levar
a ciência para os espaços mais diferentes e inusitados, fora dos centros
tradicionais, onde as ações serão motivo de surpresa.
Você identifica essa mesma motivação entre os seus colegas
acadêmicos?
Martin: Bom, o cenário melhorou bastante ao longo do tempo. Lembro
que na minha graduação os poucos grupos dedicados à divulgação eram até mesmo
desprezados, havia uma resistência bem maior do que hoje em dia. Nos últimos
anos, o governo tem ampliado as medidas em benefício do campo, como a criação
do Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia, a
implementação de um espaço específico para a divulgação no currículo Lattes, a
multiplicação de eventos organizados por instituições públicas, entre outras.
Porém, de forma geral os meus pares se interessam pouco por
essa atividade. Além da falta de consciência ou de interesse e do medo de
comunicar para uma audiência mais ampla, acho que falta um canal confiável, um
estímulo determinante capaz de fazer com que o cientista enxergue a
possibilidade de divulgar o seu trabalho de forma profissional e séria. Talvez
haja a vontade latente, mas o pesquisador não quer perder tempo para preparar
uma palestra, por exemplo, mas sim já realizá-la.
Um gancho bem interessante seria a valorização
institucional, no sentido da missão do cargo ser, inclusive, a divulgação.
Hoje, no entanto, somos avaliados no fundo pela pesquisa em si. Outra situação
curiosa é que o pesquisador, quando convidado para proferir uma palestra na
escola do filho, tende a aceitar. Então, se as próprias escolas se dirigissem
com mais frequência ao CBPF, a disponibilidade acadêmica poderia ser maior.
Qual é o seu público da divulgação?
Martin: Como eu faço divulgação em lugares bastante diversos, percebo
que a audiência é ampla e com características bem variadas, mas sempre procuro
uma identificação e a adequação da linguagem.
Para se ter uma ideia, no fim da década de 1990, eu
participei de uma dinâmica de popularização no presídio Edgar Costa, em
Niterói, onde o nível cultural das pessoas era bem abaixo de outros ambientes.
Já o público das ações da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência ou
da Casa da Ciência, das quais eu participo, por exemplo, possui um grau
educacional mais elevado, está mais a par dos assuntos e a qualidade das
perguntas costumam ser melhores. Isso mostra que a minha divulgação é destinada
a segmentos diversos e heterogêneos. É difícil definir rigidamente.
Qual é o seu procedimento quando pretende realizar uma divulgação,
faz por si ou procura alguma assessoria de comunicação?
Martin: Depende bastante. Em geral, são iniciativas pessoais, muitas
motivadas por convites de escolas, comitês, clubes e associações.
Cotidianamente, o contato é muito mais comigo do que com o próprio CBPF. Por
outro lado, em ações coordenadas e institucionais, como na Semana Nacional de
Ciência e Tecnologia, a divulgação é via CBPF, que é solicitado pelo Ministério
da C&T para integrar o movimento.
E como é o seu relacionamento com os jornalistas? Você tem
receio deles?
Martin: Receio eu não tenho e gosto de recebê-los para dar as informações
solicitadas. Acho importante essa interação. Porém, eu já acompanhei situações
grotescas ocorrerem por falta de precisão e entendimento.
Lembro que uma equipe de reportagem de um importante jornal
de Niterói foi comigo em um parque da cidade cobrir a passagem do cometa Hale-Bopp.
Eu havia explicado que além do astro luminoso, havia, por coincidência, uma
aproximação visível entre os planetas Mercúrio e Vênus, fato curioso, sem
relação direta com o cometa. No dia seguinte, o veículo noticiou que a causa do
sobrevoo do Hale-Bopp visível em Niterói foi a junção entre os dois planetas,
informação transmitida com a legitimidade da minha fala entre aspas.
Por isso, eu sempre peço o envio do material antes da
publicação, procedimento que deveria ser padrão. A mídia mais genérica não
costuma atender ao pedido, até mesmo pela velocidade da produção e publicação
do jornalismo, que exige do repórter habilidade para levantar dados em curto
espaço de tempo. Já a imprensa mais especializada, como a revista Ciência Hoje,
sempre retorna o texto.
Quais são as habilidades que o cientista precisa adquirir
para facilitar a interação com o divulgador?
Martin: Antes de qualquer coisa, é importante ser didático, saber
apresentar o conteúdo de forma mais suave, com menos fórmulas, utilizando
ilustrações e analogias, por exemplo. Mais do que uma habilidade inerente, um
dom natural, é importante desenvolver essa capacidade de externar o trabalho
realizado. A didática se consegue praticando.
A questão é que no Brasil a formação do pesquisador carece
desse tipo de treinamento. Por muitos anos, o pesquisador-divulgador foi visto
com desconfiança pelos pares. Aqui, a ideia de testes e provas está muito enraizada
no sistema educativo e de C&T, já em outros países a cobrança é para apresentações
e exposições, como palestras e seminários. Isso inibe muitos de nós a querer
popularizar e dialogar com a sociedade. As poucas pessoas ativas nesse campo acabam
sobrecarregadas, pois são as mais procuradas para atender à imprensa e outras
solicitações de divulgação.
Há algum patamar que deva orientar os objetivos da DCT
nacional?
Martin: Embora eu não disponha de muitos dados e informações mais
precisas, observo que os Estados Unidos são desenvolvidos nessa questão. Lá, a
visão social da ciência é mais otimista e progressista. Um cidadão comum admira
o cientista como alguém inteligente e importante. Já no Brasil, embora também
haja admiração, as pessoas associam a pesquisa a dificuldades, à falta de
recursos e até mesmo à futilidade, como alguém cujos trabalhos não são tão
determinantes para o desenvolvimento humano e da nação. O nosso esforço deveria
ser para mudar esse estereótipo, demonstrando que é possível fazer ciência
importante e de qualidade.
Há algum projeto de DCT que você pretenda realizar, mas que
até o momento tenha faltado tempo?
Martin: Nada em mente, por enquanto. Quando eu posso, faço o que
tenho feito nos últimos tempos, que é apresentar as minhas pesquisas em
andamento.
Sugiro que passe a denominar a atividade de divulgação da ciência, é mais preciso, uma vez que a ideia de divulgação "científica" seria um contraponto a divulgação "amadora". Há especialistas fazendo essa correção.
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